terça-feira, 1 de março de 2011

Veto Total ao PL 510

VETO TOTAL AO Projeto de lei nº 510, de 2010
Mensagem nº 73/2010, do Sr. Governador
São Paulo, 15 de julho de 2010

Senhor Presidente



Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência, para os devidos fins, nos termos do artigo 28, § 1º, combinado com o artigo 47, inciso IV, da Constituição do Estado, as razões de veto ao Projeto de lei nº 510, de 2010, aprovado por essa nobre Assembleia, conforme Autógrafo nº 29.058.

         De iniciativa parlamentar, a propositura determina que, para a realização de eutanásia em cães, seja realizado pelo menos um exame parasitológico com resultado positivo ou de um teste sorológico com proteína recombinante, considerados exames confirmatórios (artigo 1º).

         Veda a utilização de exames sorológicos de antígenos totais para fins de diagnóstico ou como critério de eutanásia para cães (artigo 2º); define, para os fins da lei, os termos “exame parasitológico”, “exames sorológicos de antígenos totais” e “exames sorológicos de antígenos recombinantes” (artigo 3º); estabelece que os exames confirmatórios deverão ser realizados gratuitamente pelos órgãos de controle de zoonose ou por clínicas e laboratórios conveniados (artigo 4º).

Garante o direito do contraditório para os proprietários de animais sob a forma de realização de contraprova dos exames realizados na rede pública e custeados pelo Poder Público (artigo 6º); define as condições e situações em que os animais poderão ser submetidos à eutanásia (artigo 7º); autoriza o Poder Público a celebrar convênios com municípios, entidades de proteção animal e outras organizações não governamentais, universidades e estabelecimentos veterinários (artigo 10).

         Vejo-me compelido a negar assentimento à medida, em razão de sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.

         Comporta notar que o projeto objetiva dispor sobre saúde pública, tema inserto na competência legislativa concorrente dos Estados, segundo o artigo 24, inciso XII, da Constituição Federal, sujeita, entretanto, às condições e aos limites prefixados pelos seus §§ 1º a 4º.

         Tratando-se, como ocorre no caso, do exercício da competência complementar, cabe ao legislador estadual apenas pormenorizar as normas gerais editadas pela União para suprir eventuais lacunas e adequá-las às peculiaridades locais.

         A proposição, entretanto, não obedeceu a essa estrutura legislatória e, pois, não se coaduna com o ordenamento constitucional.

         Com a índole de norma geral, foi editada a Lei federal nº 6.259, de 30 de outubro de 1975, que dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, e fixa, em especial, normas relativas à notificação compulsória, além de outorgar ao Ministério da Saúde a coordenação das ações relacionadas com o controle das doenças transmissíveis, orientando sua execução, inclusive quanto à vigilância epidemiológica.

No exercício dessa competência, o Ministério da Saúde expediu normas que dispõem sobre os mais distintos aspectos envolvidos na vigilância e controle da enfermidade, que se qualifica como de notificação compulsória, tendo disciplinado, pormenorizadamente, os procedimentos e as condutas a serem adotadas para os necessários casos de eutanásia de cães, ao tratar do controle do reservatório canino, e do diagnóstico da doença do cão e de aspectos clínicos e epidemiológicos, conforme disposto no Manual de Vigilância e Controle de Leishmaniose Visceral, do Ministério da Saúde (Brasília – Editora do Ministério da Saúde, 2006. Série A - Normas e Manuais Técnicos).

         A propositura afronta, ainda, a Lei Orgânica da Saúde (Lei federal nº 8.080/90), no que se refere às competências da União, dos Estados e dos Municípios em relação às ações e serviços de vigilância epidemiológica.

         A União define e coordena o Sistema de Vigilância Epidemiológica (art. 16, III, “c”) e pode executar ações de vigilância epidemiológica em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representam risco de disseminação nacional (art. 16, parágrafo único). Aos Estados cabe coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços de vigilância epidemiológica (art. 17, IV, “a”); e aos Municípios (art. 18, IV, “a”) cabe executar serviços de vigilância epidemiológica.

         Esse sistema normativo, que se funda nas diretrizes e princípios inscritos na Constituição da República, na seção destinada à tutela e à promoção da saúde, demonstra que a matéria, dada sua natureza, encontra-se taxativa e minudentemente regrada por normas federais, de aplicação uniforme e obrigatória em todo o território nacional, não passível de tratamento diferenciado no Estado, como, aliás, enfatizou a Secretaria da Saúde ao se manifestar contrariamente à proposta legislativa.

         A par disso, informou o titular da Pasta que, de acordo com o disposto na Lei Orgânica da Saúde (artigo 15, XVI, da Lei federal nº 8.080/90 – Sistema Único de Saúde), a Secretaria da Saúde elaborou, em 2006, o Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral Americana do Estado de São Paulo, norma técnico-científica de promoção, prevenção e recuperação da saúde, disciplina que, por óbvio, não conflita com as normas da União.

Além disso, instituiu, por meio da Portaria CCD-25, de 22 de dezembro de 2009, o Comitê de Leishmaniose Visceral Americana, com os objetivos de coordenar as ações de prevenção, vigilância e controle da leishmaniose visceral americana (LVA) no Estado de São Paulo e atuar como referência técnica e normativa.

Destacou a Secretaria da Saúde, também, que a adoção de programas, normas e ações de saúde já é feita, como de rigor, por meio de instrumentos e normas técnicas expedidas pelos gestores de saúde, que podem e devem ser modificadas com mais facilidade do que as leis, adaptando-se ao contínuo processo de planejamento realizado pelos gestores do SUS e pelos avanços tecnológicos frequentes na área de assistência à saúde.

Registre-se, ainda, que a Secretaria de Vigilância em Saúde, órgão do Ministério da Saúde, à vista da aprovação, pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo do Projeto de lei nº 510/09, transmitiu ao Titular da Pasta da Saúde substanciosa manifestação técnica com pedido de veto à propositura, uma vez que, de acordo com o referido órgão, o projeto, se sancionado, gerará danos às ações de vigilância, prevenção e controle de leishmaniose visceral no Estado,com agravamento da situação da doença e, por via de consequência, ferirá o interesse coletivo afetando, principalmente, as populações mais vulneráveis nas áreas de risco.

Esse, também, é o entendimento externado pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária que, em manifestação a mim encaminhada, pugna pelo veto à propositura, considerando que a leishmaniose é doença de notificação compulsória em todo o território nacional, e com alta letalidade, e, ainda, que as medidas previstas conflitam com as normas vigentes em relação ao controle da enfermidade e colocam em risco à saúde humana e animal.

         Nesse quadro, tem-se que o projeto de lei de um lado, incorre em inconstitucionalidade porque transgride o sistema de repartição constitucional de competência legislativa demarcado no artigo 24, §§ 1º a 4º, da Constituição Federal, uma vez que conflita com a disciplina traçada pelas normas federais, de observância obrigatória no território nacional. De outra parte, a proposição é contrária ao interesse público tendo em vista o potencial risco que poderá acarretar à saúde humana.

                                      Expostos os motivos que fundamentam o veto que oponho ao Projeto de lei nº 510, de 2010, e fazendo-as publicar nos termos do artigo 28, § 3º da Constituição do Estado, reitero a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.




Alberto Goldman
GOVERNADOR DO ESTADO

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