terça-feira, 1 de março de 2011

Parecer Saúde Contrário ao Veto

 PARECER Nº 1547, DE 2010
DE RELATOR ESPECIAL, EM SUBSTITUIÇÃO AO DA COMISSÃO DE SAÚDE  E HIGIENE, SOBRE O PROJETO DE LEI Nº 510, DE 2010, VETADO TOTALMENTE


                                                           De autoria do Deputado Feliciano Filho, o Projeto de Lei n.º 510, de 2010, tem por objetivo normatizar o controle da eutanásia de cães portadores de Leishmaniose Visceral Canina, tornando obrigatória, para tanto, a realização de pelo menos 1 (um) exame parasitológico com resultado positivo ou 01 (um) teste sorológico com proteína recombinante, considerados exames seguros e confirmatórios da doença.

                                                           Em pauta, nos termos regimentais, a propositura não recebeu emendas ou substitutivos.

                                                           Na sequência do processo legislativo, a proposição tramitou em regime de urgência, conforme Requerimento aprovado pelo Plenário, de tal sorte que, convocadas extraordinariamente pelo Senhor Presidente, as Comissões de Constituição e Justiça, Saúde e Higiene e de Finanças e Orçamento, exararam parecer conjunto sobre a matéria, no âmbito de suas respectivas competências, opinando favoravelmente à aprovação do Projeto de Lei.

                                                           Não obstante a clareza da tramitação do processo legislativo, o Senhor Governador do Estado achou por bem negar assentimento à medida, opondo Veto Total à presente proposição, nos termos do Artigo 28, parágrafo 3º, da Constituição Estadual, argüindo, em suma, pela inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.           

                                               Seguidamente, nos termos do Artigo 232, da XIII Consolidação do Regimento Interno, o Veto foi despachado às Comissões competentes. Após a Comissão de Constituição e Justiça, através de Relator Especial, exarar parecer favorável ao Projeto de Lei e contrário ao Veto, a proposição foi encaminhado a essa Comissão de Saúde e Higiene, a qual, por sua vez, não opinou no prazo regimental; fato esse que levou à designação de Relator Especial.
                                              
                                                           Na qualidade de Relator designado por este órgão, verifico o acerto dos argumentos elencados pelo proponente, que nos convence do caráter oportuno e do relevante interesse público da medida preconizada, como forma de assegurar uma política pública calcada na proteção, defesa e respeito à saúde e vida dos animais.

                                                           Pesquisas realizadas no âmbito da Medicina Veterinária, com amplo amparo de especialistas internacionais e de inúmeras publicações científicas - inclusive da Organização Mundial de Saúde - concluem de maneira precisa, enfática e consensual, que os métodos de diagnóstico atuais para a infecção canina são altamente sujeitos a reações falso positivas, levando, por conseguinte, milhares de animais à morte desnecessária. Ou seja, a Organização Mundial de Saúde não recomenda a eutanásia como método de controle da Leishmaniose visceral Canina.

                                                           Ademais, no Brasil, as medidas de controle da Leishmaniose Visceral orientadas pelo Ministério da Saúde não têm alcançado resultados satisfatórios e, mesmo assim, não se vislumbra no âmbito Federal quaisquer alterações, ignorando-se as evidências científicas e a tendência mundial de respeito à vida do animal em prol da priorização do extermínio radical de cães em todo o país. Ou seja, dentre todos os países que enfrentam a Leishmaniose Visceral, tão somente no Brasil há autoridades que, através de Leis, obrigam a sociedade a matar seus animais de estimação com base em exames que necessitam de aprimoramento, negando, por conseguinte, tratamentos padronizados internacionalmente.

                                                           Sob um outro ângulo de observação, refuta-se, nesse parecer, as assertivas exaradas no Veto do Senhor Governador, que de maneira taxativa defende a desnecessidade de elaboração de Projeto de Lei sobre a matéria em questão que, dada a sua natureza, já se encontra regrada por normas federais, pela Secretaria da Saúde e pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária. Aduz, nesse sentido, que a Secretaria da Saúde, de acordo com a Lei Orgânica da Saúde, já elaborou o “Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose visceral Americana do Estado de São Paulo”; norma técnico científica de promoção, prevenção e recuperação da saúde que não conflita com as normas da União. Da mesma forma, a Secretaria da Saúde, por meio da Portaria CCD-25, instituiu o Comitê de Leishmaniose Visceral Americana. Informou também que essa mesma Secretaria já realiza com rigor uma adoção de programas, normas e ações da saúde, por meio de instrumentos e normas técnicas, que pode e devem ser modificadas com mais facilidade que as Leis.

                                                           Ora, tal argumentação deve ser veemente repelida por essa Casa de Leis, por traduzir-se em uma verdadeira afronta ao Princípio Constitucional da Separação dos Poderes. Sabe-se que a Constituição Federal, visando principalmente evitar que um dos Poderes usurpe as funções de outro, consolidou a “separação” dos Poderes do Estado, tornando-os independentes e harmônicos entre si (Artigo 2º, CF/88). Ou seja, o Poder é soberano, dividindo – se, apenas, nas funções Legislativa, Judiciária e Executiva. Este sistema criou mecanismos de controle recíproco, sempre como garantia de perpetuidade do Estado Democrático de Direito. Consagrou-se a Teoria da “Separação dos Poderes”, bem como o Sistema de “Freios e Contrapesos”.
                                                           Sendo assim, diz-se que a Carta Constitucional assegura, em seu artigo 2º, os três poderes, mas também, posteriormente, define suas composições, funções e prerrogativas. Senão, vejamos:

“São poderes da união, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

                                                           Logo, conclui-se que o Poder Legislativo tem a função típica de legislar, ou seja, de traduzir, através de leis, o sentimento social. É a vox populis, um fato ocorrido em sociedade que tenha elevado valor e traga uma mudança social que necessita de normatização. Sua função atípica é a de fiscalizar os outros dois poderes (se estão cumprindo essas normas) e administrar a própria Casa de Leis. Já o Poder Executivo tem a função precípua de administrar, sempre de acordo com o ordenamento legislativo, sob pena do ato administrativo “nascer” nulo. E tem por função atípica o ato de legislar através dos atos normativos, quais sejam, as Medidas Provisórias, Leis Delegadas, Decretos e Portarias.

                                                           Sob esse mesmo prisma, ressalta-se que até mesmo órgãos vinculados ao Poder Executivo, tais como a “Agência FAPESP” e “Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta)”, vão de encontro com as razões apresentadas no Veto do Senhor Governador, vez que, através de estudos, concluíram pela necessidade de aplicação de métodos de diagnóstico para a Leishmaniose Visceral diversos daqueles utilizados pelo atual política de Saúde Pública implantada pelos órgãos públicos Federais.

                                                           Conforme explicita a Agência FAPESP:

                                                           “O destino de cães diagnosticados sorologicamente positivos para leishmaniose é a eutanásia, Mas, de acordo com um estudo realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, o diagnóstico unicamente em exames sorológicos -  recomendado pelo Ministério da Saúde – pode apresentar falhas devido à possibilidade de ocorrências de reações cruzadas com outros microorganismos”;

                                                           “O exame convencional para Leishmania pode apresentar resultados falsos positivos pois, no momento do exame, o animal pode ter produzido anticorpos contra outros parasitas que são da mesma família da Leishmania, como Trypanosoma cruzi. Em muitos casos, o animal só está infectado por um deles, mas o exame acusa a presença do outro protozoário”.

                                                           A Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, também se manifesta nesse sentido. De acordo com a professora Simone Baldini Lucheis, pesquisadora científica deste órgão, “para evitar falsos positivos seria necessário realizar exames de contraprova, como o exame parasitológico direto e a reação em cadeia pela polimerase (PCR, na sigla em inglês) – uma técnica biomolecular que permite a síntese enzimática “in vitro” de sequências do DNA”.

                                                           Ressalta-se ainda, e com pertinência, que o trabalho foi publicado na revista “Veterinary Parasitology”, sendo certo que a pesquisadora Simone coordena o projeto intitulado “Isolamento e reação em cadeia pela polimerase (PCR) para Leptospira em amostras renais e hepáticas de ovinos sorologicamente positivos e negativos para leptospirose”, que tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa.

                                                           Na pesquisa, foram analisadas amostras de 100 cães do Centro de Controle de Zoonoses, em Bauru, área considerada endêmica para leishmaniose visceral, e outros 100 cães do Canil Municipal de Botucatu, município considerado indene para a doença. Dentre outras assertivas, conclui-se:

                                                           “Quando realizamos o exame parasitológico e o PCR para Leshmania, foram obtidos, respectivamente, resultados positivos para 59% e 76% nas amostras de fígado, e 51% e 72% nas amostras de baço dos cães de Bauru. Nenhuma amostra foi positiva pela PCR para pesquisa de T. cruzi. Estes dados reforçam a ocorrência de reações cruzadas à sorologia”.

                                                           “O estudo é importante para a escolha da técnica correta de diagnóstico. Compreender o ciclo epidemiológico da doença é tarefa de grande importância, pois o problema da leishmaniose não será resolvido apenas com a eutanásia de animais”.
(Fonte: http//www.agencia.fapesp.br/materia/11225/especiais/reações cruzadas.htm)
                                                            
                                                           Cabe, pois, ao Poder Público, o papel fundamental na conscientização da população não só quanto à extrema importância da realização de exames seguros e confirmatórios da infecção, como também da opção e possibilidade de tratamento do animal que comparte o seio familiar.

                                                           Nota-se que é em razão disso que a sociedade paulista apoiou o Projeto de Lei em tela, já que atualmente é praxe manter-se escondidos os cães de estimação como se fossem criminosos por contraírem infecção passível de ser evitada se a política de saúde respeitasse a vida dos animais.                                      

                                                           Como bem afirma o Dr. Vitor Márcio Ribeiro (Médico Veterinário, professor da PUC-MG, Mestre e Doutor em LVC, Belo Horizonte):

                                                           “Além dos questionamentos técnicos envolvendo a prática da eliminação em massa de cães soropositivos, soma-se a discordância social, manifestada na voz e sofrimento de proprietários. Este fenômeno foi descrito por Feijão et. AL. (2001), quando relataram o constrangimento provocado por essa medida nos profissionais ligados ao poder público e responsáveis pelo controle da LV, quando da busca do cão positivo para eliminação. Este momento, entendido como de forte componente emocional, significa, dada a importância do cão no ambiente familiar, a determinação da sentença de morte para um membro da família. Esse aspecto, ante o fenômeno da urbanização gera acentuada reação da sociedade contra esse método de controle, provocando ações judiciais entre o cidadão e o poder público”;

                                                           “Por isso, ações judiciais têm sido colocadas por cidadãos brasileiros e obtido sucesso na manutenção da vida de cães. Essas evidências apontam para a necessidade de se discutir a postura ética dos agentes atuais dos serviços de controle da doença, tanto na exagerada busca de eliminar os cães, quanto na manutenção de instrumentos diagnósticos com resultados não confiáveis.”   
                           
                                                           “Concluímos que.o clínico veterinário procura prevenir a infecção e a doença nos cães através da vacinação, medidas de controle contra o vetor centradas no cão e no ambiente em que o cão vive. Muito se tem ainda a discutir e refletir sobre o tratamento da LCV e mais seguros métodos diagnósticos a fim de evitar resultados falso positivos ou negativos (ALVES & BEVILACQUA, 2004). O que não podemos esquecer é que devemos nos pautar na defesa da vida. Como é reconhecido, o cão faz parte de muitas famílias e, no contexto atual em que as pesquisas não indicam que os métodos têm sido eficientes, é anti-ético não consentir que os animais possam ser cuidados.”

(Ribeiro, V.M., “in” “Prevenção da Leishmaniose Visceral Canina no Brasil”) (grifo nosso)
                                                                                                                                                                                                        Conclui-se, portanto, pelo dever inquestionável dessa Casa de Leis de legislar em prol do evidente e manifesto interesse público, afastando-se, por conseguinte, as razões do Veto do Senhor Governador.
                                                           Ante o exposto, o parecer é contrário ao Veto oposto pelo Senhor Governador, opinando favoravelmente ao Projeto de Lei n.º 510, de 2010.

                                                           a) Chico Sardelli - Relator Especial


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