quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Superior Tribunal de Justiça

Superior Tribunal de Justiça


SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.289 - MS
(2010/0149231-2)
RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE DO STJ
REQUERENTE : UNIÃO
REQUERIDO : DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO NR 137925020104030000 DO TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
INTERES. : SOCIEDADE DE PROTEÇÃO E BEM ESTAR ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS
ADVOGADO : FABIO A ASSIS ANDREASI E OUTRO(S)
INTERES. : MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE
ADVOGADO : CHRÍSTOPHER PINHO FERRO SCAPINELLI E OUTRO(S)

DECISÃO

1. Os autos dão conta de que a Sociedade de Proteção e
Bem-estar Animal Abrigo dos Bichos ajuizou "ação civil pública
ambiental com pedido de liminar em antecipação de tutela"
contra o Município de Campo Grande, MS, para impedir a prática
de eutanásia, como política pública de controle da
Leishmaniose Visceral, em "cães que apresentem exames
sorológicos positivos para Leishamniose Visceral pelos testes
EIE - Leishmaniose Visceral Canina - Bio-Manguinhos ou IFI -
Leishmaniose Visceral Canina - Bio-Manguinhos quando usados
como único método de diagnóstico " (fl 30/31).
A teor da petição inicial esses exames, "aplicados
isoladamente, são testes presuntivos, e não conclusivos, e
levam ao sacrifício de animais sadios, mas tidos como doentes
(falsos positivos); não existe comprovação científica de que
cães acometidos desta doença estejam de fato implicados na
transmissão para o ser humano; os cães são propriedade privada
de seus proprietários e os mesmos não podem ser coagidos pelo
poder público a sacrificar suas propriedades sem a devida
indenização; a eutanásia de animais, como está se processando,
é crime ambiental" (fl. 31).
O MM. Juiz de Direito diferiu a decisão acerca da medida
liminar para momento posterior ao das contestações (fl. 62),
mas a decisão foi atacada por agravo de instrumento - provido
para deferir em parte a antecipação de tutela nestes termos:
"1) para suspender a eutanásia de animais diagnosticados
com leishmaniose visceral canina quando se utiliza,
isoladamente, os métodos de Imunofluorescência (I.F.I.) ou
método Imunoenzimático (E.I.E.), sendo somente permitida
aquelas eutanásias cujos resultados tenham sido comprovados
mediante a execução simultânea de outro exame comprobatório,
ou pela utilização combinada dos exames I.F.I. e E.I.E, ou
após autorização, por escrito, do proprietário do animal;
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2) para determinar que o CCZ/GG elabore e utilize,
obrigatoriamente, instrumentos legais de formalidade e
controle de seus atos tais como: a) Termo (Auto) de
consentimento livre e esclarecido para adentrar nas
residências (art. 5º, inciso XI, da CF); b) Termo (Auto) de
cientificação de animais sorologicamente positivos; c) Termo
(Auto) de consentimento livre e esclarecido para realização de
eutanásia de animais portadores de doenças graves ou termo de
recusa desse consentimento e de responsabilidade pelo
tratamento do animal, sob supervisão de veterinário
responsável " (fl. 80/81).
2. O Município de Campo Grande requereu, então, no
Superior Tribunal de Justiça, a suspensão da decisão que
antecipou os efeitos da tutela (SLS nº 738, MS) - pedido que
foi indeferido pelo Ministro Barros Monteiro (fl. 92/93).
Sobreveio agravo regimental interposto pela União, a que
a Corte Especial negou provimento, em acórdão assim ementado:
"AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. MUNICÍPIO DE
CAMPO GRANDE. LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA. CONTROLE DA
DOENÇA. DIAGNÓSTICO POSITIVO. COMPROVAÇÃO. EXIGÊNCIA DE
REALIZAÇÃO DE DOIS EXAMES (I.F.I. e E.I.E.). POSSIBILIDADE.
INTERESSE DA UNIÃO. INGRESSO NA CAUSA COMO ASSISTENTE
LITISCONSORCIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA
182/STJ.
– Existente, in casu, nítido interesse da União no
deslinde da controvérsia, admite-se a sua intervenção na
qualidade de assistente litisconsorcial do Município.
– Quanto à sua intervenção na causa principal, trata-se
de tema que refoge ao âmbito restrito desta medida, devendo,
pois, ser requerido e discutido nas vias próprias.
– Não se está impedindo a municipalidade de continuar a
prática de eutanásia dos animais diagnosticados com
leishmaniose visceral canina, mas, tão-somente, exigindo que o
diagnóstico positivo seja comprovado pela execução simultânea
de dois exames, a saber, o I.F.I. e o E.I.E., procedimento já
adotado pelo Município, conforme ele próprio informou. Não há,
nesse ponto, evidências de que o decisório possa causar risco
à saúde da população.
– Mantém-se a decisão agravada, cujos fundamentos
deixaram de ser impugnados pela agravante (Súmula n. 182/STJ).
Agravo improvido" (DJ de 10.03.2008).
3. Sobreveio, no primeiro grau de jurisdição, a
manifestação do interesse da União no processo, tendo os autos
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sido encaminhados à Justiça Federal.
O MM. Juiz Federal, entendendo que, "em princípio, não há
cura para a leishmaniose " e que "o animal doente, mesmo
tratado, não perde a capacidade (...) de funcionar como
difusor da moléstia" (fl. 109), revogou, em parte, a tutela
antecipada, in verbis :
"... revogo a alínea 'a' do item 2 da decisão de fls.
186/203 para afastar a necessidade de consentimento expresso
do proprietário, para que os agentes do Centro de Controle de
Zoonoses de Campo Grande-MS adentrem às residências, uma vez
que há evidente interesse público na prevenção e controle de
zoonoses, sendo que esse interesse (público) deve prevalecer
sobre o interesse particular. Quanto à alínea 'c' do item 2 da
referida decisão, revogo a determinação de necessidade de
consentimento do proprietário do animal, para a retirada do
animal do local onde se encontra, visando a realização de
eutanásia, quando se tratar de animais portadores da doença,
confirmada nos termos do item 1 daquela decisão. E, por fim,
ainda no que tange à alínea 'c', revogo a determinação para a
aceitação de recusa quanto ao sacrifício do animal portador da
doença, mediante termo de responsabilidade de tratamento do
animal, sob a supervisão de um médico veterinário " (fl. 110).
Essa decisão foi atacada por agravo de instrumento, a que
o relator, Juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Lazarano Neto, atribuiu efeito suspensivo, destacando-se no
decisum os seguintes trechos:
"São várias as razões a determinar a concessão da
providência ora pleiteada, merecendo relevo o risco de dano
irreparável se mantida a decisão ora agravada.
Pode-se afirmar que a eutanásia de animais é medida
drástica e muito polêmica quanto à efetividade para o controle
da doença em discussão. Além disso, a violação de domicílio
exige decisão judicial fundamentada, em seus pormenores, no
que tange ao procedimento, pois, do contrário, não será
legítima e, portanto, contrária à ordem constitucional.
Por outro lado, a decisão judicial ora em exame trará o
risco da irreversibilidade tanto no campo material,
considerando a morte do animal, quanto no campo imaterial,
porquanto a captura do cão ou gato, à força, com violação de
domicílio, certamente atingirá a esfera mais íntima de seus
donos, visto que muitas vezes há laços afetivos a serem
preservados " (fl. 194).
"... a medida mostra-se desacertada e, a meu ver,
desguarnecida da necessária razoabilidade e proporcionalidade,
as quais devem pautar os atos da Administração, em infração a
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dispositivos constitucionais concernentes ao direito de
propriedade, vedação à violação do domicílio e à prática de
crueldade contra animais, provocando muitas vezes o
desconforto e a ira do corpo coletivo" (fl. 194).
4. A União articulou, então, o presente pedido de
suspensão da decisão que concedeu efeito suspensivo ao agravo
de instrumento, alegando lesão à ordem e à saúde públicas.
Lê-se na petição:
"No caso vertente, a decisão que deferiu efeito
suspensivo ativo implica grave distúrbio à ordem pública, no
viés político-administrativo exposto, pois viola as normas
legais e constitucionais que versam sobre a atribuição do
Ministério da Saúde para o controle de endemias e doenças
transmissíveis.
Ademais, resta evidente a violação à saúde pública, ante
a possibilidade real de impedir a efetiva adoção de atos
administrativos no sentido de conter doença grave em humanos,
em área de intensa transmissão, através do controle de
zoonoses" (fl. 10).
"Trata-se de doença (...) com alto índice de letalidade,
principalmente em crianças menores de 1 ano de idade e adultos
maiores de 50 anos" (fl. 10).
"O Município de Campo Grande é classificado como área de
transmissão intensa, já que entre 2006 e 2008 foram
registrados 393 casos da doença (o que representa 58% dos
registros de leishmaniose visceral no Estado de Mato Grosso do
Sul) com 32 óbitos e taxa de letalidade em 8,2%. (...) Nas
áreas consideradas de transmissão moderada e intensa deve ser
realizado o inquérito canino censitário" (fl. 13/14).
"A Portaria Interministerial 1.426/2008 (...) proíbe o
tratamento de leishmaniose visceral canina com produtos de uso
humano ou não registrados no Ministério da Agricultura,
Pecuário e Abastecimento " (fl. 17).
"O tratamento de cães não é uma medida recomendada, pois
não diminui a importância do cão como reservatório do
parasita. (...) O uso rotineiro de drogas em cães induz à
remissão temporária dos sinais clínicos, não previne a
ocorrência de recidivas, tem efeito limitado na infectividade
de flebotomíneos e leva ao risco de selecionar parasitos
resistentes às drogas utilizadas para o tratamento humano"
(fl. 17).
"Não é possível deixar ao alvedrio, à discricionariedade
do proprietário do animal a realização do controle e combate à
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enfermidade grave em humanos. A preservação ao direito de
propriedade neste caso viola a supremacia do interesse
público, já que coloca em risco a saúde pública" (fl. 18/19).
5. Do exposto, percebe-se que a atribuição de efeito
suspensivo ao agravo de instrumento interposto contra a
decisão do MM. Juiz Federal importa no revigoramento da
decisão proferida pelo relator no Tribunal de Justiça do
Estado do Mato Grosso do Sul, mais tarde confirmada pelo
colegiado.
A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso do Sul foi atacada por pedido de suspensão dos
respectivos efeitos. O requerimento foi indeferido pelo então
Presidente do Superior Tribunal de Justiça, tendo essa decisão
sido mantida pela Corte Especial.
A Corte Especial, portanto, decidiu que a decisão do
Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul não lesava
os interesses públicos protegidos pelo art. 4º da Lei nº
8.437, de 1992; nada decidiu acerca da decisão do MM. Juiz do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e deve fazê-lo agora.
O efeito suspensivo atribuído à decisão do MM. Juiz
Federal manteve a) a necessidade de consentimento expresso do
proprietário para que os agentes do Centro de Controle de
Zoonoses de Campo Grande, MS, adentrem às residências; b) a
necessidade de consentimento do proprietário do animal, quando
confirmada a doença, para a realização da eutanásia; e c) a
possibilidade de recusa do sacrifício do animal doente,
mediante termo de responsabilidade de tratamento, sob a
supervisão de um médico veterinário.
Fora de toda dúvida, o domicílio é inviolável por força
da Constituição, de modo que não pode ofender a ordem ou a
saúde públicas a decisão que inibe a exigência de que trata a
alínea (a). Já a manutenção da exigência de consentimento do
proprietário para o sacrifício do animal doente e do direito à
realização de tratamento no animal (que pode não evitar a
transmissão da doença) têm o potencial de causar grave lesão a
saúde pública. Assim, estando o animal em via pública, podem
os agentes públicos submeterem-no aos exames sanitários e às
conseqüências necessárias.
Defiro, por isso, o pedido, em parte, para suspender os
efeitos da decisão proferida pelo MM. Juiz do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região no que diz respeito à
necessidade de consentimento do proprietário do animal doente
para a realização da eutanásia e à possibilidade do
proprietário do animal portador da doença recusar-se a
sacrificá-lo, mediante a assinatura de termo de
responsabilidade de tratamento.
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Comunique-se, com urgência.
Intimem-se.
Brasília, 17 de setembro de 2010.
MINISTRO ARI PARGENDLER
Presidente
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